Conflito territorial – Pankararu – Terra Indígena (TI) Pankararu

I.

O presente relatório apresenta registros e mapeamentos das violações de direitos indígenas no Nordeste do Brasil, destacando os principais conflitos territoriais em algumas aldeias de Pernambuco.

Conforme se lê no site da Fundação Nacional do Índio (Funai), “de acordo com a Constituição Federal vigente, os povos indígenas detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. 

A demarcação das terras indígenas (TIs) é atribuição do Estado brasileiro. No entanto, diante de limitações e empecilhos apresentados pelo Estado, alguns povos indígenas, como os Pankararu e os Xukuru do Ororubá, do estado de Pernambuco, passaram muitos anos à espera da desocupação de suas terras, onde havia presença de não indígenas. 

Trago aqui relatos sobre esses dois povos – os Pankararu e os Xukuru –, que tiveram seus direitos violados. São povos com indagações semelhantes e direitos iguais, especialmente o direito a seus territórios ancestrais.                                        

II.

O povo Pankararu está situado na região do Submédio São Francisco, em porções dos municípios de Tacaratu, Jatobá e Petrolândia. São aproximadamente 7.500 indígenas. A TI Pankararu teve sua primeira demarcação em 1940, ainda pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Somente depois de muita luta e resistência, ela foi homologada, em 1987. Foram mais de 70 anos de luta judicial para que os indígenas pudessem ter a posse de seu território. No entanto, na demarcação, a área indígena foi reduzida de 14.294 hectares para 8.100. Tal redução ocorreu sem levar em consideração os interesses da comunidade indígena. 

Ainda não satisfeitos, os posseiros não indígenas permaneceram ocupando boa parte da área. Somente no dia 19 de junho de 2018 foi concedida a reintegração de posse da TI Pankararu, com a presença de representantes dos indígenas e dos posseiros não indígenas. Ali se iniciou o caos na aldeia. As lideranças passaram a ser ameaçadas, sendo impedidas de sair de casa e obrigadas a viver sob o monitoramento de câmeras de segurança. Na condição de estudante pankararu, estive na aldeia no período eleitoral de 2018 e vivenciei momentos aterrorizantes em meu território. Vi escolas devastadas pelo fogo e postos de saúde depredados. Não pude de imediato voltar à universidade, pois barreiras tinham sido feitas nas estradas que davam acesso à aldeia, e o medo predominava.

III.

O povo Xukuru de Ororubá, por sua vez, está estabelecido em uma área de 27.555 hectares no agreste de Pernambuco, estado que tem a quarta maior população indígena do país. No alto de uma cadeia de montanhas, o território demarcado abriga 10,5 mil indígenas, distribuídos em 24 aldeias. A Serra do Ororubá, em Pesqueira, município encravado no Vale do Ipojuca, é o cenário de mais de três séculos de espoliação e morte do povo Xukuru. Mas, nos anos 1980, essa trajetória começou a mudar. Com a nomeação de Xicão como cacique, os Xukuru se articularam e, após quase 20 anos de luta, em 2001, conseguiram a homologação da TI Xucuru. 

Quase 20 anos depois da homologação da TI, o Estado brasileiro ainda não garantiu a extrusão total dos invasores da área. Ao longo do tempo, lideranças foram ameaçadas; em 2003, Marquinhos, atual cacique do povo Xukuru, sofreu um atentado. O caso dos Xukuru foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2002 e submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em 2016. Em fevereiro de 2018, a Corte concluiu que o Estado brasileiro era responsável por violações aos direitos do povo Xukuru e fez uma série de recomendações, até agora não cumpridas. 

Como explica reportagem do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Corte “declarou o Estado brasileiro internacionalmente responsável pela violação do direito à garantia judicial de prazo razoável, previsto no artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como pela violação dos direitos de proteção judicial e à propriedade coletiva, previstos nos artigos 25 e 21 da Convenção Americana, em detrimento do povo indígena Xukuru se seus membros. A sentença determina o pagamento de indenização por danos imateriais ao povo no montante de um milhão de dólares”. O caso  dos Xukuru teve grande repercussão nacional e internacional.

IV.  

Como a proposta do projeto era mapear as violações aos direitos indígenas no Nordeste, decidi buscar métodos para registrar casos mais próximos a mim, como a demarcação das TIs do meu povo, os Pankararu, e dos Xukuru. Trata-se de povos que muito sofreram e muito lutaram para que hoje tenham seu território extrusado. 

Comecei buscando em sites e nas redes sociais informações sobre o caso Xukuru. Como não tive oportunidade de me comunicar com as principais lideranças do povo, tive todo o cuidado para buscar fontes confiáveis. A obtenção de informações e relatos sobre o processo de demarcação pankararu foi mais fácil, pois eu cresci ouvindo dos mais velhos toda a história de luta do povo e estive na aldeia durante o período em que ocorreu grande parte do caos entre indígenas e posseiros não indígenas. Estive inclusive nas comunidades que tiveram escolas e postos de saúde queimados. 

Todo o processo de aprendizagem no desenvolvimento do projeto fez com que eu buscasse cada vez mais informações sobre os casos. Destaco uma das reuniões dos grupos de pesquisa, em que tivemos a presença de uma mulher indígena mestra em Antropologia, Elisa Urbano, que deixou claro em sua fala quão sofrido foi o processo de demarcação da TI Pankararu.

V.

Negar a terra ao indígena é negar a vida, pois ter terra é manter viva a memória dos ancestrais, é preservar tudo o que nos foi passado durante anos. Além disso, a humanidade como um todo se beneficia com a demarcação das TIs, já que essas áreas são fundamentais para a conservação ambiental.

Para concluir este relatório, vale reproduzir o artigo 231 da Constituição Federal: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Leide Pankararu

Neide Lea das Graças, conhecida por "Leide", é filha da grande loiceira Leona, de quem herdou esse dom. Leide não teve oportunidade de seguir com a educação formal, no entanto, aprendeu com sua matriarca a tirar seu sustento do barro, uma função de extrema importância manutenção das tradições Pankararu. O que para muitas pessoas pode ser uma louça rústica, para Leide é a sabedoria milenar dos antepassados de seu povo, a história contada no talento de manusear o barro na produção de potes, pratos, tachos, quartinhas e muitos outros utensílios. Leide nasceu e vive até hoje na aldeia Brejo dos Padres. Atualmente, também cuida da sua progenitora, vítima de AVC. O barro é portanto, o que dá sustento não só a família de Leide, mas toda nação Pankararu.