Paulo Henrique, do povo Karão Jaguaribaras
1. Apresente-se e fale um pouco sobre seu povo e sua aldeia.
Eu sou o Paulo Henrique, do povo Karão Jaguaribaras. Tenho 15 anos, sou militante indígena e moro no Kalembre Feijão, na divisa de Aratuba e Canindé [Ceará]. Falando um pouco sobre meu povo, o povo Karão Jaguaribaras teve grande protagonismo nas lutas contra a colonização, onde hoje é o território cearense. Meu povo foi dado como extinto diversas vezes. A nação Jaguaribaras sempre congregou vários clãs, entre eles os clãs que sempre habitaram a Serra de Ubatryté (hoje chamada Maciço de Baturité) e ao sul dela, onde fica meu Kalembre Feijão. Em 1725, houve um grande massacre, no qual o jovem líder Karão orientou todo nosso povo a recuar, para que ganhasse forças para essa caça, que perduraria por cinco gerações. No início dos anos 2000, em reunião com nossas lideranças, o nosso povo decidiu que era hora de quebrar o silêncio. Ali se iniciaram a preparação e as escolhas de quem ficaria à frente de cada função. Em 2005, se cumpriu a primeira etapa para a preparação espiritual dos jovens que iriam doar sua força no movimento, junto com os troncos sábios. Em 2018, o povo Karão Jaguaribaras busca o movimento indígena para fortalecer nossas lutas e quebrar o silêncio.
2. Como você ouviu falar pela primeira vez sobre a Covid-19?
Eu ouvi falar da Covid-19 já em janeiro de 2020, nas redes sociais.
3. Como você pensou que seria a pandemia? Imaginou que duraria tanto tempo?
Imaginei que seria uma resposta da natureza ao grande caos eurocêntrico regido pelo espírito de Haynhangá.
4. Como se deu o isolamento na sua aldeia?
Quando virou pandemia, a gente fechou as portas do Kalembre, ninguém entra e ninguém sai, e isolamos dos demais aqueles que apresentavam sintomas.
5. Que ações foram desenvolvidas para combater o vírus?
Devido ao fato de termos carência de assistência profissional de saúde especializada para indígenas, para combater o vírus, a gente evitou estar em aglomeração e selecionamos pessoas para fazerem as compras do dia a dia. Aquelas pessoas que foram selecionadas, ao chegarem ao Kalembre, têm que tomar um banho de chá quente. E aumentamos o consumo de vitaminas de frutas e folhagens, para que aumentasse a imunidade.
6. Vocês receberam alguma ajuda de pessoas ou organizações de fora da aldeia?
Essa ajuda durante a pandemia está sendo muito tímida, em comparação com a nossa real necessidade. Mas, durante a pandemia, tivemos contribuição da Funai [Fundação Nacional do Índio] (kits de higiene e cestas básicas) e também da Secretaria Municipal de Assistência Social de Canindé. Pela Fepoince [Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará] e pelo CDPDH [Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza], recebemos alguns kits de máscara.
7. Houve algum caso confirmado na aldeia?
Em relação aos casos de Covid-19, ainda não conseguimos ter os testes para saber a proporção da doença no nosso Kalembre. Mas várias pessoas apresentaram sintomas.
8. Como você tem se sentido durante o isolamento?
Diante desta catástrofe, nos sentimos impotentes, ao perceber nesta realidade que estamos revivendo problemas seculares que se agravaram ainda mais na pandemia.
9. Você acha que as coisas voltarão ao normal ao fim da pandemia?
Cada segundo que passa é único. Estamos vivenciando uma gênese e não temos controle deste rio corrente, sendo nós apenas peixes navegando nesta enchente.
10. Gostaria de falar mais alguma coisa que acha importante?
A real situação do povo Karão hoje é de total abandono em meio a esta pandemia. Nos meses de março e abril, o povo começou a sentir fortes sintomas e passamos a recorrer aos órgãos ligados ao apoio social e à saúde nas esferas municipal, estadual e federal, mas não houve quase nada de avanços concretos. Hoje, aqui no Kalembre, há várias pessoas com sintomas e não sabemos mais a quem recorrer. Não custa lembrar também que o acesso à saúde tem como um preceito fundamental a universalidade, além do respeito à diversidade aos povos indígenas, preceito que está na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Em meio a esta pandemia, a gente não conta sequer com um veículo para que possamos acessar a urgência e a emergência de um hospital caso necessitemos. Acredito que não esteja fácil para ninguém, mas sentimos falta dessas mãos solidárias, principalmente daquelas que conhecem a realidade de cada povo indígena.