Meu nome é Jerônimo Passos Santana, sou estudante de graduação do curso de Administração na Escola de Administração da UFBA (EUFBA) bolsista Pibic e faço parte do projeto de pesquisa Ecologias Antirracistas na Bahia: comunidades tradicionais, cultura e ecologia política, orientado pelo professor Felipe Milanez.
Sou natural da comunidade tradicional Pesqueira e Quilombola de São Braz, localizada em Santa Amaro, no recôncavo baiano, onde moro e tenho meu trabalho de liderança. O foco deste trabalho é estudar os conflitos e as lutas ambientais na minha comunidade.
São Braz está localizada na Baía de Todos os Santos e enfrenta diferentes dimensões do racismo ambiental, o transparece através das lutas que enfrenta. Racismo este que interfere na vida e cotidiano da comunidade provocando danos e decadência na principal fonte de renda da comunidade que é a pesca e a mariscagem, em razão da poluição das águas do território.
Há uma longa história de luta contra a espoliação ambiental. Um exemplo foi a defesa da Ilha de Cajaíba, lugar comum para a vida das comunidades de São Braz, Acupe, Bangala, Cambuta e o munícipio de São Francisco do Conde. Juntas, elas lutaram e venceram uma disputa contra a construção de um empreendimento de Eco Resort na ilha e que iria afetar negativamente nossas vidas.
Atualmente, outros empreendimentos provocam danos e impactos negativos nas tradições e bem viver. Elaborei formulários descrevendo os conflitos ambientais, realizei entrevistas com moradores (pescadores, mariqueiras e produtores rurais) que enfrentam esses conflitos e injustiças ambientais, e pesquisei a construção de alternativas para contribuir para a luta da comunidade. Apresento alguns resultados, através deste canal de comunicação em defesa da luta e dos territórios das comunidades tradicionais. Segue os conflitos ambientais no qual eu elaborei formulários descrevendo-os:
– A poluição de chumbo e cádmio por uma fábrica que poluiu o Rio Subaé, desaguando os rejeitos na Baía de Todos os santos e passando por São Braz em nossas águas e manguezais. Esta questão interfere na soberania e segurança alimentar da comunidade acarretando doenças e complicações devido ao trabalho com a pesca e mariscagem tornando o ambiente de trabalho um local insalubre e com dificuldades de reproduzir suas espécies.
“A poluição do Chumbo também não é bom não tem muita gente tem muita gente aqui com chumbo no sangue, tem muita gente mesmo eu tenho sobrinho, meu pai mesmo que fez exame tinha morreu, tem muita gente o chumbo é horrível ele ainda é pior de todos por que pelo menos ele entrando por a gente pelo pé, pela boca, por todo canto que a gente come tem chumbo São Braz tem a fábrica foi ali, até os cantores sabem claro que Maria Bethânia tem música sobre isso, Caetano também tem fala sobre isso ainda bem que eles também falam não é só eu que estou falando eles são filhos de Santo Amaro.”
Esta foi a fala de uma marisqueira/pescadora ao ser interrogada pela questão do chumbo na comunidade. (Entrevista realizada no dia 30/06/2021)
– A papeleira Penha Papéis, que para produzir chapas e embalagens de papelão descarta efluentes no Rio Pitinga, provocando sérios riscos ao trabalho das famílias que dependem das águas e dos manguezais para sobreviver, e contaminando os mangues e as águas. Esta empresa também promove o monocultivo de bambuzal no território tradicional da comunidade, onde moradores tinham roças, das quais foram espoliados e perderam, também, a segurança alimentar. No período de corte deste bambuzal, há risco de acidentes de trânsito, sujeiras de barro e danificação das pistas entre outras questões. Os bambuzais também são inflamáveis e provocam incêndios próximos a moradias da comunidade, causando uma tensão aos moradores e interrupção da energia elétrica. O limite do bambuzal com o manguezal quase não existe, com as raízes do bambu invadindo os manguezais.
“A fábrica prejudica a comunidade você chega ali na Pitinga e ver o mangue tudo morto, eu quero ver como sempre uma vez falei aqui quando é uma pessoa vai tomar pé pra tomar providência daquilo ali por que aquilo ali tá acabando com a população daqui de São Braz é, eu não sei como povo não é falando mal do povo daqui, mas o pessoal morre enforcado mais não grita pelo seus direitos ali é um direito da população de São Braz.”
Esta foi uma fala de um pescador ao se referir sobre as problemáticas provocadas pela Penha Papéis na entrevista. Ao falar “o pessoal morre enforcado mais não grita pelo seus direitos ali é um direito da população de São Braz” esta linguagem do pescador remete a um entendimento da sua identificação como racismo ambiental identificando a luta como uma alternativa antirracista. (Entrevista realizada no dia 30/06/2021)
“Não interfere 100%, mas, interfere até mesmo por que como os bambus muito próximo do mangue as folhagens cai no mangue a lama começa a ficar mais funda devido à folha, a água muda de cor também o marisco não mais naquele local devido às folhas do bambu as raízes também afeta como tem o fato do guaiamum ele fica, fica, mas, no período enquanto não tiver afetando ele devido a começar ele muda da li às vezes morre até no caminho tentando achar e também a questão de que o bambu você não acha mais um caminho na beira do mangue se você não quiser mariscar aqui por perto quiser e pra outro lugar você não vai, tem que andar muito pelas pistas, devido também sujeito a cobra, o caso do escorpião também tudo isso.”
Fala de um pescador a ser questionado devido a interferência do monocultivo do bambuzal por ser próximo ao manguezal. (Entrevista realizada no dia 05/07/2021)
– Um antigo aterro sanitário nas proximidades, que desde 2005 opera como lixão, provoca sérios danos, contamina um córrego e o manguezal. Provoca infiltração do chorume no solo, e o chorume escorre para o manguezal, onde pescadores/as e marisqueiras/os encontram lixos. Também provoca combustões espontâneas, onde a fumaça e o mau cheiro se alastra na comunidade.
“Afeta o meio ambiente, afetando meio ambiente afeta a gente a saúde da gente.”
Essa foi a fala de um Pescador no momento da entrevista quando eu falei que que além do lixão afetar a pesca e o mangue afeta a saúde da gente. E esta frase marcou por que realmente afetando o meio ambiente afeta a saúde da gente, se sofremos consequências com as ações dos homens abala toda a nossa vida. (Entrevista realizada no dia 05/07/2021)
– O monocultivo do eucalipto está localizado em uma área reivindicada por um fazendeiro médico da comunidade, onde as terras estão arrendadas a uma empresa responsável por este monocultivo. Tudo ocorre dentro do território tradicional e reivindicado pela comunidade, no processo de titulação e regularização através do INCRA. O monocultivo invadiu a área urbana próximo das moradias e manguezal. Com esse monocultivo, apareceram escorpiões nos quintais e dentro das casas e vários casos de pessoas picadas. Uma pesquisa da UFBA encomendada pela associação da comunidade, que estava com duvidas, mostrou que a proliferação não tinha uma ligação direta com o monocultivo, mas como os escorpiões procuram lugares quentes para usar como moradias e região do caule dos pés de eucaliptos pode ser o lugar ideal. O Eucalipto invadiu uma área onde há uma ruína secular, a “cafua”, pertencente ao sobrado “Engenho São Braz”. Antes ali havia frutas, como goiaba e manga, e a comunidade tinha livre acesso para extrair para consumo e comercialização. Esta área do território tradicional está em disputa no processo de regularização e titulação. Mesmo assim, o dono das terras buscou o monocultivo para tentar mostrar que usa essas terras e extrair um valor.
“Ficou assim né nem tudo a gente tem conhecimento eu não posso dizer que é indiretamente com a gente conhece que vários lugares estão fazendo esse plantio eu vejo várias pessoas fazendo o plantio do Eucalipto, mas, ele tem regra, tem distanciamento, tem espaço pasto eu vejo passar na reportagem, mas, eu vejo aqui como uma comunidade que tem um ar limpo a questão de insetos dessas coisas então eu achava que era inviável a plantação aqui na comunidade teria de ter um distanciamento ser plantado a quilômetros do lugar por que é só benefício para o plantador, mas, o malefício é para a comunidade em tirar a beleza da paisagem, mas, também tem a questão dos insetos que é trazido para o lugar as pessoas falam de escorpião, muriçoca é terrível e sem contar como eu disse a paisagem muda da comunidade são essas questões aí.”
Relato de um pescador e artesão ao ser questionado na entrevista sobre o monocultivo do eucalipto atingir no cotidiano da comunidade. (Entrevista realizada no dia 02/07/2021)
Nas entrevistas escutei as narrativas dos pescadores/as e marisqueiras/os que são prejudicados. Para enfrentar o Racismo Ambiental na comunidade, buscamos alternativas antirracistas, que se expressa pela luta pelo bem viver, onde conciliam saberes e tradições e cuidado do território. A comunidade hoje luta para garantir seu pertencimento no território, garantido sua sobrevivência.
Meu balaio, meu balaio, meu balaio
meu balaio, meu balaio, meu balaio
tira o maxixe da rama, bota o quiabo no pé
tira o maxixe da “gaia”, eu vou
eu vou com meu barco anda no mar
o vento bateu na vela
Balaio meu, balaio de opinião
moça que não tem balaio
senta as “cadeira” no chão!
Aprender a ler, vô aprender a ler
aprender a ler pra dar lição a meus camarada
ê he, meus camarada
(Samba, cachaça e mulher: composição de João do Boi)
As chulas cantadas e composta por seu João do Boi relaciona atividades do cotidiano retratando a importância do território e o quanto a cultura intensifica e reafirma a identidade de comunidade, seja no trabalho de plantio ou pesca a necessidade do uso da terra, das águas e manguezais. Em olhar antirracista “aprender a ler pra dar lição a meus camarada” entender o que acontece na comunidade e manter uma luta autêntica é uma lição muito importante para que a comunidade tenha um outro olhar ou melhore sua postura a um determinado assunto. Esse estudo contribui para que a comunidade use como uma ferramenta de luta havendo um avanço positivo para defesa do território e do bem viver.