INDÍGENAS PROCESSADOS PELA EMPRESA: Heraldo Alves (Preá) e Raimundo Manoel Sabino (Bão)
Este relatório apresenta um quadro de violações aos direitos do povo Jenipapo-Kanindé da aldeia Lagoa Encantada, localizada na Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé, no município de Aquiraz (Ceará). Essa TI, que tem 1.731 hectares, é habitada por 120 famílias, compostas por 409 indígenas. A luta do povo Jenipapo-Kanindé por seu território iniciou-se na década de 1980. Nesse processo, surgem conflitos com a Pecém Agroindustrial Ltda., do grupo empresarial Ypióca, que retira água da Lagoa Encantada desde 1980, para irrigar a monocultura de cana-de-açúcar. Os Jenipapo-Kanindé denunciaram reiteradamente a Ypióca pela retirada de água sem controle, o que ocasionou a diminuição do nível da lagoa e sua poluição. Esse cenário, decorrente do derramamento de vinhoto, um subproduto da fabricação de cachaça, resultou em mortandade de peixes e no surgimento de vegetação que produz coceira em quem tem contato com a água.
Para denunciar esse desastre ambiental, os indígenas realizaram bloqueios, impedindo a retirada da água. Além disso, junto com outros povos do Ceará, dispuseram areia e galhos em um dos limites da lagoa, para impedir a passagem de água pelo encanamento da empresa. Em função da mobilização indígena, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) lacraram a bomba instalada pela empresa para retirar água da lagoa. Nesse contexto, a empresa perdeu um selo de exportação de bebidas. Em reação, a empresa processou duas lideranças da aldeia, Preá e Bão, e dois indigenistas.
É importante notar que, além de danificar a lagoa, a Ypióca recorreu inúmeras vezes judicialmente para impedir a demarcação da TI Jenipapo-Kanindé. Por exemplo, em 2011, a empresa obteve um mandado de segurança suspendendo a demarcação. Porém, em 2017, depois de muita luta, o povo Jenipapo-Kanindé conseguiu ter suas terras demarcadas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, o próximo passo é conseguir a homologação da TI, para que os posseiros não indígenas possam ser devidamente retirados.
É importante enfatizar que o povo Jenipapo-Kanindé obteve um grande avanço, já que, após a assinatura da portaria declaratória da TI, o Ibama determinou que, em até três meses, a Ypióca retirasse da TI os canos e a bomba que captavam água da lagoa. Segundo o Cacique Jurema, liderança jenipapo-kanindé, no final de 2019, a empresa removeu os aparatos da área indígena e os colocou na Lagoa Preta, que faz parte da Lagoa Encantada, mas não está dentro da TI. No entanto, mesmo com a proibição de retirada de água, em 26 de abril de 2020, a empresa reinstalou a bomba dentro da TI e reiniciou a extração da água da lagoa. Assim que as lideranças tiveram ciência do que estava acontecendo, entraram em contato imediatamente com a Funai, para realização de denúncia contra a Ypióca.
Durante longos anos os Jenipapo-Kanindé tiveram que ver um dos seus lugares sagrados sofrendo com a exploração e a poluição dos brancos. As lideranças contam que a lagoa chegou a ficar com o nível da água muito baixo, devido à falta de inverno (chuvas) e ao excesso de retirada diária de água. Além dos impactos ambientais, como vimos, algumas lideranças do povo chegaram a ser processadas pela empresa. Essa criminalização ocorreu pois elas mobilizavam as retomadas e as ações visando barrar a retirada de água. A Ypióca violou o direito dos indígenas de pescar e até mesmo de se banhar na lagoa, o que ocasionou grande sofrimento.
Além de ser fundamental para a sobrevivências das famílias, a lagoa é um lugar sagrado, que guarda os encantos e, sobretudo, um espaço que resguarda a ancestralidade dos Jenipapo-Kanindé. Na lagoa, há encantos da Mãe d’Água, que é uma das protetoras dos Jenipapo-Kanindé. Quando o nível da água estava baixo, os indígenas não deixaram de frequentar a lagoa. Eles realizavam os rituais de toré nas margens; no período da poluição, algumas vezes foram realizadas missas à noite. Esses rituais eram realizados para obter proteção para a luta e para a recuperação da Mãe d’Água. Mesmo com todo o sofrimento enfrentado pela lagoa, devido à poluição, nunca se viu o afastamento dos encantados; sem sombra de dúvida, as vitórias e avanços se deram também pela permissão deles.
Hoje, depois de longos anos, os Jenipapo-Kanindé podem ver a Lagoa Encantada cheia novamente e, aos poucos, ganhando vida; eles voltaram a pescar e a se banhar ali. Agora, os indígenas lutam para reconstruí-la, retirando as plantas aquáticas, como os aguapés, que provocam coceira na pele e mau cheiro na água. Nesse contexto, é fundamental que a homologação da TI e a extrusão dos ocupantes não indígenas tenham celeridade, para que o povo Jenipapo-Kanindé possa ter de volta os espaços de seu território que estão sob posse de outros invasores.
Links:
- decisão de ministro do STF favorece demarcação dos Jenipapo-Kanindé. 2017. In: Terras Indígenas no Brasil. São Paulo, Instituto Socioambiental, 12 set. Disponível em: https://terrasindigenas.org.br/pt-br/noticia/182350. Acesso em: 15 out. 2019.
Povo(s) impactado(s) | Jenipapo-Kanindé |
Terra(s) Indígena(s) impactada(s) | Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé |
Estado | CE |
Região | Litorânea |
Município | Aquiraz |
Período da violação | De 2006 a 2012 |
Tipo(s) de população | Rural |
Fonte(s) das informações | Livro Site |
Causa(s) da violação | Conflito por terra Manejo de água Manejo de resíduos/ lixo |
Matérias específicas | Água Lixo industrial Terra |
Empresa(s) e entidade(s) do governo | Pecém Agroindustrial Ltda., do grupo empresarial Ypióca |
Atores governamentais relevantes | Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) |
Tipo(s) de financiamento | Nacional Internacional Privado |
O estado da mobilização diante da violação | Alto (mobilização generalizada, em massa, violência, prisões etc.) Médio (protestos de rua, mobilização visível) |
Quando teve início a mobilização? | Entre 2007 e 2012. |
Grupo(s) que se mobiliza(m) | Cientistas/ profissionais locais Grupos indígenas ou comunidades tradicionais Pastoralistas |
Forma(s) de mobilização | Em 2007, o povo Jenipapo-Kanindé participou da mobilização conhecida como Grito dos Excluídos, no centro de Fortaleza, ocasião em que repudiou o processo de destruição causado pela Ypióca. Em função dessa mobilização, a empresa processou dois indígenas e dois apoiadores do movimento indígena. Em 2012, junto com outros povos do Ceará, os Jenipapo-Kanindé retomaram a área onde está instalada a bomba que retira água da Lagoa Encantada. Nessa mobilização, realizou-se um bloqueio no acesso à lagoa, para impedir a retirada de água. |
Impactos ambientais | Visíveis |
Impactos na saúde | Visíveis |
Impactos socioeconômicos | Visíveis |
Avanços positivos no processo de violação | Após anos de luta contra a empresa e para a demarcação da Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé, em 2017, o processo de demarcação avançou mais uma etapa. O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a TI demarcada, permitindo que se encaminhe a homologação da área. Outro avanço importante foi a determinação, imposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), de que a Ypióca, em um prazo de até três meses, retirasse da área indígena a bomba e os canos que extraíam água da Lagoa Encantada. |
Avanços negativos no processo de violação | Os avanços negativos foram a diminuição do nível de água da lagoa e a mortandade dos peixes. |
Alternativas viáveis para a solução da violação | A homologação da Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé, para que os posseiros não indigenas sejam devidamente retirados da área. |
Data de preenchimento | 27/01/2021 |