Elvis Aroerê Tabajara, liderança do povo Tabajara, agente indígena de saneamento (Aisan)
Yané Karuka, Ixé serera Elvis Aroerê Tabajara, tenho 29 anos, sou do povo Tabajara da Serra das Matas, do município de Monsenhor Tabosa [Ceará], aldeia Olho D’Aguinha. Na minha aldeia, atualmente, há apenas um caso de Covid-19. Nós orientamos as famílias a manterem o isolamento social, usarem sempre álcool em gel, quando forem sair (e só saírem em caso de urgência), e estabelecerem uma pessoa da residência para fazer as compras quando necessário. Como profissional de saúde que sou, sempre oriento as famílias para que, quando sintam qualquer sintoma, comuniquem a equipe multidisciplinar de saúde.
Este momento tem sido muito difícil, principalmente em relação à espiritualidade coletiva, que é um ponto forte dos Tabajara – eu adoro estar no meio do ritual indígena, promovendo a espiritualidade, dando palestras, fazendo palestra em educação e saúde, e sobre a cultura indígena, disseminando a nossa cultura para a juventude. A pandemia vem afetando as nossas atividades, inclusive os encontros da nossa escola de formação, voltada para a juventude indígena Tabajara da Serra das Matas, que não podem acontecer, por conta da pandemia, para evitar aglomerações, o que, como eu indiquei, também afeta muito nossos rituais.
O maior impacto, para mim, é justamente não estar próximo dos nossos parentes e não poder ter aqueles calor humano, a aproximação com nossos anciãos, os troncos velhos, que são as pessoas que estão com a sabedoria. Cada tempo, cada minuto que estamos com eles pode se tornar muito valoroso, porque cada palavra que ele expressa vai ser um ensinamento para o resto da vida. Então, a gente fica com medo de perdê-los e não ter aquela oportunidade de conversar.
A gente perdeu uma parente muito conhecida da etnia Tabajara para o vírus da Covid-19, nossa querida Daniela [Teodózio], agente indígena de saúde [AIS], que morava na aldeia Grota Verde, que faz parte do município de Tamboril. Foi um choque muito forte, porque era uma pessoa muito alegre, muito determinada, dedicada ao que fazia e que lutava pela vida, pela vida da comunidade. Isso afetou muito nosso espírito, mas a gente tem certeza de que ela está em um bom lugar, ela está com os espíritos de luz, e ficaram para a gente a saudade e a esperança de cada vez a gente lutar pelos nossos direitos e que um dia a gente consiga vencer e ter realmente uma resposta de que a vida depende da união, da paz e da solidariedade de todos nós.
E para a gente concluir esta pesquisa, gostaria de deixar uma oração que já vem trazida de geração em geração, que é do meu avó e que diz: “Mato bento, água benta, Jesus Cristo no altar, benzei os nossos caminhos, que nós vamos passar”. Nós vamos passar por esta situação, acreditando nos nossos encantados, acreditando no nosso Pai Tupã, todos nós vamos passar e vamos nos reunir novamente. (Elvis Aroerê, 7 de setembro de 2020)
Francisco Araújo Castro, liderança do povo Tabajara do município de Tamboril
Meu nome é Francisco Araújo Castro (Chico do Zidoka), tenho 57 anos e sou liderança da aldeia Tabajara Brota Verde, no município de Tamboril [Ceará]. Na nossa aldeia, houve um caso de Covid-19, nossa agente indígena de saúde [AIS] Daniela Teodózio, que faleceu em 10 de maio. Foi a coisa mais triste que nós passamos e ainda estamos sofrendo por causa disso. Grande amiga, guerreira… Desde o começo da luta, ela estava com a gente. Não tem explicação, não.
A segurança que nós damos para nossa aldeia é falando para o povo se cuidar; a Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] dá máscara, a gente entrega; dá álcool; mandou cesta [básica] para a nossa comunidade. A gente fez barreira sanitária, mas durou pouco tempo, porque vinha pouca gente para cá. O impacto que nós tivemos na nossa aldeia era que, quando nós íamos para a cidade, o pessoal tinha era medo da gente, a gente era excluído. Aí, depois, surgiram o irmão da Dani, que é o Luiz Alberto, e a Mariele com a doença, mas, graças a deus, ficaram bons. Agora, por último, teve um menino meu que teve, mas, graças a deus, já está tudo bom, está tudo em paz.
Mas é todo mundo se cuidando, avisando como é que deve se cuidar. Se alguém for para a cidade, quando chega, tem que tirar roupa, lavar sapato e carro. Em relação à nossa espiritualidade, a gente faz cada um em sua casa mesmo. Foi um mês todo rezando, cada qual rezava com sua família, para não dar aglomeração. (Francisco Araújo Castro, 7 de setembro de 2020)
Luiz Alberto Ambrósio de Melo Filho, agente indígena de saúde (AIS) do povo Tabajara, município de Tamboril, irmão de Daniela Tabajara
É um momento bem difícil aqui na minha aldeia. Foi muito de repente… A minha irmã era agente indígena de saúde (AIS), estava na linha de frente. Foi uma perda muito precoce e meio de repente, sabe? Foi um momento muito delicado, a gente ainda está tentando digerir essa dor.
Aqui na aldeia só tivemos quatro casos confirmados; eu e minhas duas irmãs tivemos testes positivos. Para mim, foi difícil, porque eu perdi a minha irmã. E a gente que tem contato com pessoas que têm o coronavírus tem que ficar isolado. Aí, foi uma batalha desesperadora, porque a gente perder uma irmã e não poder receber o apoio e a solidariedade dos amigos dói muito. Eu e minha família inteira ficamos isolados um mês, e ninguém podia vir aqui em casa prestar solidariedade e apoio. Muita gente mandava mensagem, muitas pessoas davam alguma coisa, alguma contribuição, porque a gente não podia sair nem para pegar suprimento. Aí, as pessoas ajudavam, gente de Fortaleza, das aldeias vizinhas deu suas contribuições. Isso foi muito importante, ter pessoas que ajudaram da forma que podiam.
O que me deixa mais triste é que, mesmo depois disso tudo, o pessoal não liga, faz festa, não se protege, não usa máscara, os bares abertos. Mesmo que tenha acontecido um exemplo vivo aqui, o pessoal não liga. Duas aldeias estão tendo esse tipo de problema; nas outras, as pessoas se cuidam e fazem o controle e a moderação. (Luiz Alberto Ambrósio de Melo Filho, 7 de setembro de 2020)
Daniela Teodózio Tabajara, 30 anos, da aldeia Grota Verde, em Tamboril, foi a primeira indígena do Ceará vítima da Covid-19. Mulher de luta e guerreira. Deixou seus familiares, amigos e passou a ser um encantado, emanando suas forças para nós, povos indígenas.