Povo Tremembé

Maria de Jesus Sobrinho – Tremembé

Meu nome é Maria de Jesus Sobrinho, tenho 56 anos e sou do povo Tremembé de Almofala, em Itarema [Ceará]. Eu queria falar um pouco. Eu sou agente de saúde, sou parteira, faço um trabalho como liderança na minha comunidade. Aí, eu queria falar desta pandemia, que aconteceu, que está acontecendo, para nós, da área indígena. Foi muito difícil, porque nós não temos costume de nos distanciarmos uns dos outros. Nós temos costume de estarmos muito juntos, [de fazer] reunião, de fazer roda de conversa. Foi muito difícil para nós nos comportarmos assim, sem fazer nada disso.  Estamos voltando devagarzinho, mas com todos os cuidados. Foi difícil, mas todo mundo se adequou à nova realidade deste período. E, graças a deus, tivemos poucos na área indígena e temos uma equipe indígena [de saúde] maravilhosa, de campo, que faz teste rápido, que faz exame. 

Não foi muito fácil para nós na área da sobrevivência, porque muita gente ainda depende muito do seu trabalho, da pesca; aqui, muita gente sobrevive da pesca e da agricultura. Ficou muito ruim para a gente nessa área. Na área da saúde, foi ruim por esses momentos de susto, de medo. Mas a gente tem muito ainda de se tratar com remédio caseiro. Em muitas casas, conseguiram se recuperar de uma gripe, de uma dor de garganta, de uma dor de ouvido com o nosso remédio caseiro, o nosso remédio tradicional, com chá, com nossos xaropes, que nós mesmos fabricamos, entendeu? 

Na nossa área, ninguém precisou ser internado por muitos dias; foram somente as curas em casa e algum medicamento passado pela infectologista. Nossa médica infectologista foi logo fazendo todos os cuidados. Até agora ainda estamos tomando muito cuidado, não estamos recebendo muita visita. A gente não tem muito costume de estar falando, de fazer live, de fazer coisa por telefone, mas agora foi necessário. A gente está plenamente consciente da doença e do que se tornou a nossa vida neste momento. Aquela nossa marcha não foi feita porque não podia fazer aglomerações. E muitas coisas não estão sendo feitas na nossa área por causa desta doença. Mas a gente está conseguindo vencer, porque somos fortes, somos valentes, e estamos conseguindo ir para a frente. Foi muito difícil e ainda está sendo muito difícil para nós. Mas eu acredito que a gente vai vencer, todos nós.

Ezequiel Tremembé

Esta nossa barreira sanitária foi feita no dia 1º de maio de 2020 e ela ainda se mantém, na fronteira da terra [Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú], na aldeia Buriti de Baixo. Foi uma ação pensada a partir do coletivo das aldeias, da população Tremembé aqui de Itapipoca [Ceará], juntamente com as lideranças. Aí, a gente começou a montar uma articulação e procurar parcerias, principalmente uma tenda para ficarmos embaixo, e também a questão do álcool em gel, da máscara e da conscientização das famílias, no sentido de panfletos, faixas. 

Então, a gente também se prontificou a dar esse suporte, não só juntamente com a equipe de saúde indígena, mas também procurar parcerias, com a Funai [Fundação Nacional do Índio] e a Polícia Militar [PM] de Itapipoca, para que pudessem também fazer fiscalização, orientação, acompanhamento e o próprio incentivo no combate à Covid-19 dentro das aldeias. São quatro aldeias, então, precisaria de uma operação para que nós pudéssemos nos manter seguros, sem aglomerações, sem som alto e festas, evitando visitas domiciliares. Isso fez com o que a gente pudesse se resguardar. 

Mesmo com essa ação, a gente ainda teve 13 casos de Covid-19. Graças a deus, não houve um impacto assim tão forte, de alguém vir a óbito, mas também se mostrou que, sem essa barreira, a gente poderia ter tido óbito dentro da aldeia e poderiam ter aumentado os casos. Então, ela vem fortalecendo e nos resguardando. Ainda estamos nessa ação, prevenção, cuidado e incentivo, com muitas mudanças, mas também com atenção para com os grupos, com as mulheres, com os homens, mantendo esse revezamento diariamente, o dia todo e a noite, com os cuidados e também com as orientações de quem entra e quem sai dentro da aldeia. Tem a questão do fortalecimento e da organização do povo Tremembé. Porque, de fato, uma barreira sanitária precisa de uma articulação bastante forte e bastante estratégia. 

Além da barreira, nós tivemos, junto com a Escola Indígena Brasil da Terra, o apoio do Cetra [Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador]. Recebemos algumas cestas básicas, de uma campanha de doação para algumas famílias mais carentes. Conseguimos alguns projetos, por exemplo, com o Fundo Casa, que vem trabalhando a cultura alimentar na aldeia, na área da pesca artesanal e da agricultura. Esse fortalecimento da comunidade em geral, acredito que será de muita importância, muito relevante. Este contexto que a gente está passando, realizando o combate e a prevenção da Covid-19, é fortalecedor.

Getúlio Tremembé

Eu sou o Getúlio, conhecido como Getúlio Tremembé. Tenho 37 anos e sou do povo Tremembé, moro no município de Itarema [Ceará]. Entre o meu povo, tivemos, sim, casos de Covid-19. E foi muito difícil a gente conviver [com a doença], porque era algo desconhecido para todos. Os protocolos de segurança para a gente não contrair o vírus foram vários, como, por exemplo, o uso das máscaras. Algumas aldeias do aldeamento de Almofala [Terra Indígena (TI) Tremembé de Almofala] fizeram barreiras sanitárias, para que pessoas de fora não entrassem, e as pessoas só saíam com toda a segurança. O uso do álcool em gel era constante entre todo mundo. E, principalmente, seguimos os cuidados do isolamento social, a gente fez isolamento muito forte. 

Para mim, na condição de indígena, conviver com este momento foi muito difícil, algo muito delicado, porque é tudo novo, completamente novo, e ficava o medo de a qualquer momento a gente contrair a doença, principalmente as pessoas que são consideradas do grupo de risco. Então, era justamente isto: o medo de contrair e também de infectar alguém, ou de alguém infectar algum parente, inclusive os filhos, os meus filhos. Então, ficava com bastante medo. Foi algo muito delicado mesmo.

Os impactos foram vários. Um dos impactos principais foi na questão psicológica, isso abalou demais todo o psicológico do nosso povo. Algo que foi muito forte entre a gente é que as epidemias, essas infecções, esses vírus desconhecidos, historicamente, foram fatores para dizimar muitos povos indígenas, para que deixassem mesmo de existir. Era justamente este o grande medo da gente, que esse vírus nos afetasse, que muito de nosso povo fosse afetado e a gente chegasse a um ponto em que a gente não conseguisse controlar. Então, a gente passou por momentos difíceis. 

Inclusive, na outra terra, no Córrego do João Pereira [TI Córrego do João Pereira], teve até caso de suicídio. O medo, a insegurança… Teve uma pessoa que chegou a se suicidar. Então, foram muitos impactos. Outra coisa é a questão de fazer as coisas coletivamente. Quando nós nos víamos sozinhos, dava uma angústia muito grande, por não podermos fazer as coisas no coletivo, por não praticarmos a nossa cultura, principalmente por não podermos praticar o torém nas escolas, que é um aspecto muito forte entre nós. A gente não poder ir aos locais que a gente tanto gosta, como a praia… Outra coisa que faz muita falta para a gente é a escola. A gente sentiu. As crianças estudando, brincando juntas, os adolescentes sentiram muitos impactos. 

Parente [morto por Covid-19], eu não tive, eu não perdi. Morreram pessoas conhecidas, próximas, vizinhos inclusive, pessoas que perderam a vida e outras pessoas conhecidas, de perto, que chegaram a perder, a ser afetadas muito seriamente com esse vírus. Então, fica o alerta para todos de que o vírus continua circulando. Mas, infelizmente, as pessoas relaxaram, não estão querendo mais usar máscara, achando que está tudo bem, sendo que a gente corre o risco de ter uma segunda onda desse coronavírus. Continuem se cuidando para que não sejam afetados como a gente foi nesta primeira vez agora.

Rute Morais Souza

Rute Morais Souza nasceu em 25 de julho de 1997, em Fortaleza (Ceará). É indígena do povo Anacé de Caucaia. Atualmente, é mestranda em Antropologia Iberoamericana na Universidade de Salamanca, na Espanha. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em sua pesquisa de monografia, estudou a situação do território indígena anacé. É membro da Associação Brasileira de Indígenas Antropóloges (ABIA). Nos anos de 2017 e 2018, foi discente voluntária de iniciação científica no Projeto Mapeamento dos Relatórios de Identificação de Territórios Quilombolas (1988 a 2016). É integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Étnicas (GETE), da Universidade Federal do Ceará (UFC).